Aqui posto de comando do Movimento das Palavras Armadas.

terça-feira, junho 30, 2009

"Que estranho destino
é o meu que apenas me
consente paixões
ardentes e me faz
esgotar em amores
improváveis."


José Manuel Saraiva, "Aos Olhos de Deus"


Já é a segunda vez que um pacote de açúcar adivinha o meu pensamento, talvez por isso eu beba café sem açúcar!

segunda-feira, junho 29, 2009

Amor

Vermeer, Mulher de Azul Lendo uma Carta, c. 1662-64

Eternas promessas de amor:

…seremos em cada pôr-do-sol uma dádiva de amor, uma carícia à morte eternamente adiada…
alfa

domingo, junho 28, 2009

Velha fritando ovos

Velázquez, Velha fritando ovos, 1618, Edimburgo, National Gallery of Scotland
A Velha fritando ovos, 1618, mostra uma cozinheira idosa, sentada diante de um pequeno fogareiro no chão, a fritar ovos sobre um fogo de carvão. Os seus traços gastos, mas impregnados de nobreza, sob o lenço, pintados com pinceladas rápidas estão marcados por uma vida bem recheada.
Uma grandeza solene e meditativa caracteriza a mulher, e o garoto com um melão que estende uma garrafa de vinho observa-nos com uma gravidade semelhante. A representação de idades diferentes da vida recorda-nos o carácter precário das coisas.
O ovo na mão da mulher evoca, numa associação conhecida na época, a instabilidade das coisas terrestres e uma existência no além. Um tom sombrio, indefinível, substitui o espaço muitas vezes sobrecarregado dos interiores das cozinhas holandesas.
Norbert Wolf, Velázquez, edições Taschen

sábado, junho 27, 2009

Picasso, Mulheres correndo na praia, 1922, Musée Picasso, Paris




Do azul, perto das águas,
Me regresso.
Talvez ao descer sobre o mar
Embarque
Buscando o mais puro silêncio
Na ilha dos corais.




alfa

sexta-feira, junho 26, 2009

Virgem Suta

Prosseguindo por entre letras e acordes, numa busca teimosa duma sonoridade que sem disfarçar as referências lusas, procura vincar o que mais especial tem, a simplicidade. Actualmente os Virgem Suta encontram-se a preparar o seu álbum de estreia.
Corria o ano de 2001 quando dois amigos, no Alentejo profundo, resolveram criar um projecto musical destinado a participar num festival de música acústica realizado no norte do país - nasciam os Virgem Suta. Saíram da final em segundo lugar e com um prémio revelação, facto que os motivou a dar continuidade ao projecto, convertendo-o em banda. Entretanto foram surgindo as histórias costumeiras no seio das bandas... entra um elemento, sai outro, um vai estudar para fora, outro para a tropa... mas o núcleo inicial resiste.


in Blitz

Breve reflexão ao correr dos dias…


Fotografia de Sebastião Salgado
A desordem é uma continuidade na descontinuidade e uma descontinuidade na continuidade. Tudo passa pela compreensão dessa complexidade!
O que é trágico é que o Homem não aprende com a História, repetindo os mesmos erros. Os homens “não olham para trás”, não compreendem o “tempo curto” e o “tempo longo” históricos, não os interligam numa relação dialéctica, não entendem a mutabilidade social, cultural e mental em permanente interacção.
Assim, há razões para temer pelo futuro!...
alfa

quinta-feira, junho 25, 2009

Poesia popular



A poesia popular é reveladora de um “mundo social” e de uma avaliação cósmica muito contundente.
E isso é verdade, particularmente, no caso dos poetas populares alentejanos.

“Esquinas de Alvito
memórias de branco
dos trabalhadores
nos meses de Inverno
às portas pedindo
uma esmola de pão.
E os velhos morreram
e o tempo passou
igual a uma dor
e até a pobreza
mudou de morada.
Ficou o Charneco
que assobiava
p’las ruas da vila
tocando na caixa
a marcha dolente
da gente sem nada.”




Sebastião Penedo, do Alvito

VERSOS SOBRE O PASSAPORTE SOVIÉTICO (Vladimiro Maiakowski, 1929)

Podia devorar
como um lobo
toda a burocracia,
não é comigo
o respeito
por mandatos,
e mando
para o diabo
que os carregue
todos os papéis.
Menos aquele...
Passando ao longo
dos compartimentos
e cabinas
um funcionário,
e que polido,
avança.
Cada um apresenta o passaporte,
e eu,
eu dou
o meu
pequeno bilhete escarlate.
Para alguns passaportes
há sorrisos,
para outros -
vontade de os cuspir.
Têm, por exemplo,
o direito ao respeito
os passaportes
com o leão inglês
em dois lugares.
Devorando
com os olhos o grande personagem
fazendo saudações e curvaturas
pega-se,
como numa gorgeta,
no passaporte
de um americano.
Para o polaco
há o olhar
da cabra frente ao edital.
Para o polaco -
uma fronte enrugada
num
elefantismo policial -
de onde vem este
e que são
estas inovações na Geografia?
Mas é sem voltar
a abóbora-cabeça,
sem experimentar
qualquer emoção forte,
que se aceita
sem pestanejar
os papéis
dos suecos
de todas as
espécies.
Súbito,
como lambida
pelo fogo,
a boca
do cavalheiro
se torce.
O senhor
funcionário
tocou
a púrpura deste meu passaporte.
Toca nele
como se fosse bomba,
toca nele
como se fosse ouriço,
toca nele
como em cobra cascavel,
de vinte dentes,
de dois metros e mais de comprimento.
Cúmplice
piscou
o olho do carregador
que está pronto
a carregar de graça as minhas malas.
O agente
contempla o chui,
e o chui
o agente.
Com que volúpia
me teria,
a espécie policíaca,
batido, crucificado,
porque
tenho nas mãos,
trazendo foice
e trazendo martelo, -
o passaporte
soviético.
Podia devorar
como um lobo
toda a burocracia, -
não é comigo
o respeito
por mandatos,
e mando
para o diabo
que os carregue
todos os papéis,
menos aquele...
Das minhas
profundas algibeiras tirarei
o atestado
deste enorme viático.
Leiam-no bem,
invejem -
eu
sou um cidadão
da União Soviética.

quarta-feira, junho 24, 2009

O tempo do martírio

Malangatana Valente, Amor Verde



O Branco matou o meu pai
O meu pai era orgulhoso
O Branco violou a minha mãe
A minha mãe era bela
O Branco curvou o meu irmão sob o sol dos caminhos
O meu irmão era forte
O Branco virou para mim
As suas mãos rubras de sangue
Negro
E com a sua voz de Senhor
Eh, boy, uma cerveja, um guardanapo, água!




David Diop (Poeta Senegalês)

26,6 % é o que tu vales neste momento!

Tu, Sócrates, tu juras que não mudas, ou juras que, afinal, sempre mudas, talvez um bocadinho, depois se verá, ainda falta algum tempo, que afinal não és uma fera, vais falar com não sei quem, só pode ser pessoa importante, é claro, que ouves os portugueses, que vais ali e já voltas, que a governação é “coisa” muita complicada, que a crise financeira está pela hora da morte, o que seria disto se não fosse a tua governação, mas, enfim, prometes que agora vais ser cordial, simpático, bonzinho, humilde, nada de arrogâncias que isso é chão que deu uvas e que até vais ajudar as velhinhas a atravessar a rua.
Pois é, Sócrates, eu dou voltas, mais voltas, e a conclusão é sempre a mesma:
26,6 % é o que tu vales neste momento!
E eu tenho uma esperança, cada vez mais forte: por estes dias tu vais dar uma volta, uma volta muita grande, e ficas por lá!





alfa


terça-feira, junho 23, 2009

Álvaro Cunhal

Álvaro Cunhal, falecido em Junho de 2005, permanece na nossa memória e nos nossos ideais!
Por essa razão, recordamos o importante poema de Pablo Neruda escrito quando o dirigente do PCP estava encarcerado no Forte de Peniche. O poema foi publicado num folheto das Edições Avante, "Contribuições à luta pela libertação de Álvaro Cunhal", e que incluía ainda um apelo de Jorge Amado à libertação do valoroso militante antifascista.



Quando desembarcas

em Lisboa,

Céu celeste e rosa,

estuque branco e ouro

pétalas de ladrilho

as casas,

as portas,

os tectos,

as janelas

salpicadas do ouro verde dos limões,

do azul ultramarino dos navios,

quando desembarcas

não conheces,

não sabes que por detrás das janelas

escuta

ronda

a polícia negra,

os carcereiros de luto

de Salazar, perfeitos

filhos de sacristia e calabouço

despachando presos para as ilhas,

condenando ao silêncio

pululando

como esquadrões de sombras

sob janelas verdes,

entre montes azuis,

a polícia,

sob outonais cornucópias,

a polícia

procurando portugueses,

escavando o solo,

destinando os homens à sombra.



Pablo Neruda, A Lâmpada Marinha

Foi você que pediu um governo assim?!

O governo PS/Sócrates elegeu a reforma da Administração Central e Local do Estado como uma orientação estratégica para a modernização do nosso país e condição essencial para o seu desenvolvimento.
Logo, um conjunto de comentadores e publicistas que impuseram nas redacções dos órgãos de comunicação social uma mentalidade anti-solidária, aplaudiram e defenderam a destruição do actual modelo social que demorou décadas a erguer.
Mas o que indigna não é apenas a forma como tudo isto é abordado e o tipo de soluções que se propõem!
Há uma indignação que resulta das alarvidades que são ditas. Desde o disparate de se achar um espanto que 60 por cento dos impostos sirvam para pagar salários no Estado. Então qual deveria ser o destino dos impostos senão suportar os serviços públicos? Seria o de subsidiarem as empresas?
Depois, com trombetas de fim de mundo, uns quantos começam a gritar que tudo isto leva à desgraça das finanças públicas, que o dinheiro é pouco e não pode ser gasto com as pessoas, que todo o modelo social construído na Europa do pós-guerra tem de ser revisto de alto a baixo sob pena de uma catástrofe absoluta se abater sobre todos nós!
E assim decorria esta contra-revolução levada a cabo pelo governo PS/Sócrates, perante os aplausos da direita neoliberal, quando a Crise Financeira se instalou e os alicerces do Sistema começaram a ruir.
Então, o dinheiro que alguns juravam faltar para o Sistema Social, da Saúde ou da Educação, apareceu não se sabe vindo de onde. E por milagre, logo milhões de euros a perder de vista para serem enterrados no Banco Português de Negócios e no Banco Privado Português.
Então, as cassandras neoliberais que choravam o dinheiro “gasto” com o povo, explicaram-nos a nova lógica: males ainda maiores viriam a seguir!
Ele há coisas do arco da velha!...






alfa
Vermeer, Rapariga com brinco de pérola, Rijksmuseum, Amsterdam



Na solidão remota
Num tempo suspenso
Na inteireza do olhar
Que encurta a distância.


alfa


segunda-feira, junho 22, 2009

mudança...

Man Ray «Noire et Blanche», 1926 - Man Ray Trust Collection






escrevo mediterrâneo
na serena voz do Índico
sou do norte
em coração do sul
na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo
hei-de
começar mais tarde
por ora
sou a pegada
do passo por acontecer.

Mia Couto, Poema mestiço



É evidente a busca de identidade do poeta, além de uma esperança que é depositada no futuro, expressando desejo de mudança!


domingo, junho 21, 2009

A revolução socrática


Fazendo descer a filosofia do céu à cidade, Sócrates - e é essa a sua inovação principal - dirigiu a luz da especulação para os fenórnenos morais e políticos que interessavam toda a gente. Desejoso de confinar os seus estudos e os dos seus interlocutores aos assuntos humanos (que distinguia dos divinos: a física, a astronomia, a teologia), Sócrates pensava que o homem não só pode, mas deve procurar adquirir um conhecimento sólido neste domínio, e que apenas quem possui tais conhecimentos é susceptível de agir correctamente. Só quando os homens souberem o que significam as palavras simples e familiares como justiça, temperança, coragem, piedade, virtude, lei, democracia, autoridade, poderão ter a pretensão de agir com justiça e alcançar a felicidade, objectivo supremo para o qual cada um tende. (...) A tendência analítica assim introduzida por Sócrates na investigação científica, e a sua preocupação pelos fins da acção humana, são as duas partes essenciais e complementares do movimento filosófico que Sócrates iniciou.


Rafael, Academia de Atenas (excerto)



O método socrático, isto é, o processo dialéctico e as matérias a que ele se aplica: os problemas relativos ao homem são estritamente solidários e inseparáveis.



Por todas estas razões Sócrates foi o fundador da Ética e o iniciador da Lógica. No fundo, tal foi o serviço que, durante toda a sua vida, ele prestou ao deus, e pelo qual morreu.



V. de Magalhães Vilhena, O Problema de Sócrates

sábado, junho 20, 2009

A Dança

Matisse, “A Dança", 1910, óleo sobre tela, Museu do Ermitage


Anda o Sol atrás da Lua,
a Lua atrás do luar;
minha alma atrás da tua
não é capaz de alcançar.
O Sol anda e desanda,
para tornar a nascer;
eu não ando nem desando,
‘stou firme no bem-querer.


Dança de Roda (Rio de Onor)

sexta-feira, junho 19, 2009

Entrei no café com um rio na algibeira




Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...
A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.
Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.
E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
- onde só procuro a Beleza
para me iludir dum destino.


José Gomes Ferreira



José Gomes Ferreira imortalizou-se no campo da Literatura Portuguesa nas áreas da Poesia e da Prosa. Pertenceu à geração do Novo Cancioneiro, com evidentes influências surrealistas, simbolistas, e sobretudo neo-realistas. A sua voz de protesto contra o mundo desconcertante, opressor, e simultaneamente monótono, do seu tempo, fez dele um "poeta militante" intemporal, trilhando caminhos já muitas vezes trilhados, mas nunca exactamente os mesmos.
A sua mensagem, sempre actual, é a vivência real de um homem e autor com os cinco sentidos despertos para tudo o que o rodeia, colocando o seu individualismo ao serviço da urgência do social. A sua vasta obra reflecte este seu desejo de mudar esse Mundo, o que acredita fazer com o poder da palavra.

quinta-feira, junho 18, 2009

Nós, os portugueses…

Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.
Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio - índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea de sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.
No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma podia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu com muita honra. E nisso não é como o coral que faz pé-firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda.
Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.
Chega-se a perguntar: está vivo? É claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.
Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.
É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.
Assim, como?


José Cardoso Pires, in álbum de fotografias Gentes, de Eduardo Gageiro

quarta-feira, junho 17, 2009

Mark Rothko - blue

Do tempo passado,
ainda que a medo,
reservo uma secreta esperança
na memória das coisas.
Há em mim
uma procura para lá dos limites do possível,
num olhar feito de silêncio,
num calmo entardecer,
sobre a praia dos Olhos d’Água,
reunindo a força dos elementos
sobre a areia, as rochas e o mar,
e eu, uno e diverso,
ouvindo a música de Leonard Cohen
distribuindo-se pelas falésias,
com o tempo esquivando-se pelo meus dedos.


alfa

terça-feira, junho 16, 2009

Ferdinand Hodler

Ferdinand Hodler, O lenhador, 1910, óleo sobre tela, Museu d’Orsay, Paris





Em Abril de 1908, o Banco Nacional Suíço confiou a Ferdinand Hodler a ilustração das novas notas de 50 e 100 francos, devendo o motivo escolhido relacionar-se com o trabalho da terra. Para as notas de 50 francos, Hodler escolheu o tema do lenhador.
A composição estrutura-se na conjugação e equilíbrio das linhas de força - as verticais dos troncos e a diagonal do corpo do lenhador. O preciso momento em que o trabalhador ergue firmemente o machado é acompanhado pela vigorosa expressão corporal em aparente desequilíbrio sustentado pelo jogo subtil dos pés. Todo o corpo se ergue em esforço e o rosto inclina-se em contrapeso, fixando a linha de corte da árvore.
Hodler captou magistralmente a energia do movimento do lenhador e fixou a tensão de um instante. Não existem outros exemplos de uma tal sugestão do gesto de um camponês, imortalizado em pleno trabalho e transformado em figura heróica, a não ser nas pinturas de Millet.
O fundo esbranqueado e a linha do horizonte baixa exaltam magnificamente a figura quase sobre-humana do lenhador. Esta destaca-se claramente sobre o céu, que adquire maior relevo graças à forma ovalada cinza azulada de uma estranha nuvem. Esta grande figura de Hodler, que se encontra a meio caminho entre o simbolismo e o expressionismo, é absolutamente representativa da última fase da obra deste artista.





céujaime

segunda-feira, junho 15, 2009

"Home - O Mundo é a Nossa Casa"



França



Ano: 2009




Género:
Documentário




Duração: 120m




Realização:
Yann Arthus-Bertrand






Em 200 mil anos na Terra, a Humanidade tem perturbado o equilíbrio do planeta, estabelecido por quase 4 biliões de anos de evolução. O preço a pagar é alto, mas é tarde demais para ser pessimista: a Humanidade tem apenas 10 anos para inverter esta tendência e tornar-se consciente da extensão total da destruição da Terra e alterar os seus modelos de consumo. Yann Arthus-Bertrand, o realizador, traz-nos imagens aéreas únicas de mais de 50 países para partilhando esperanças e receios num filme que lança a primeira pedra do edifício que, todos juntos, teremos de reconstruir.









Para ver o documentário clique aqui


Credo

Diego Rivera, La Molendera



Creio no capital que governa a matéria e o espírito.

Creio no lucro, seu tão legítimo filho, e no crédito, o Espírito-Santo, que dele procede e com ele é adorado.

Creio no Ouro e na Prata, os quais, torturados na Casa da Moeda, fundidos nos cadinhos e martelados nas máquinas, reaparecem ao mundo como moeda legal; e que, depois de circularem por toda a terra, descem às caves do banco para ressuscitar como Papel-Moeda.

Creio no juro de cinco por cento, de quatro ou três por cento e na Cotação real dos valores.

Creio no Grande Livro da Dívida Pública, que protege o Capital dos riscos do Comércio, da Indústria e da Usura.

Creio na Propriedade individual, fruto do trabalho dos outros e na sua continuidade até ao fim dos séculos.

Creio na necessidade da Miséria, fonte dos assalariados e mãe do sobretrabalho.

Creio na Eternidade do Salariato, que livra o trabalhador das preocupações da propriedade.

Creio no prolongamento do dia de trabalho e na redução dos salários e também na falsificação dos produtos.

Creio no dogma sagrado: COMPRAR BARATO E VENDER CARO. E, do mesmo modo, creio nos princípios eternos da nossa Santa Igreja, a Economia política oficial. Amém.

Paul Lafargue, A Religião do Capital, jornal Le Socialiste, 1886

quarta-feira, junho 10, 2009

Cinema Paradiso (Cinema Paraíso)

Realização de Giuseppe Tornatore, com Philippe Noiret, Jacques Perrin, Salvatore Cascio, Agnesese Nano, Isa Danieli e Antonella Attili, produção franco-italiana.

O pequeno Salvatore, de alcunha Toto, vive durante os anos do após-2ª Guerra Mundial numa aldeia siciliana.

Salvatore ocupa parte significativa do seu tempo no cinema, no Largo da aldeia, onde se torna grande amigo do projeccionista Alfredo.

Mais tarde, tornando-se projeccionista, desencadeia uma revolução local ao projectar, pela primeira vez, um filme não censurado.

É uma história, simultaneamente, cómica e melancólica, satírica e nostálgica, que tem fascinado sucessivas gerações pela sensibilidade com que aborda as emoções humanas e o desejo de realização pessoal.

O filme referindo-se a um tempo e espaço específicos, pela análise psicológica e social dos seus personagens adquire uma dimensão intemporal mantendo a sua actualidade e pertinência. Ainda que aqui, em Cuba (ou em Faro do Alentejo…), e agora, em 2009.

O filme confronta-nos com a solidão e o imobilismo de uma aldeia siciliana das décadas de 1940 e 1950 e a brutal transformação, urbana, social e cultural, que se verificou a partir dos anos 60.

A abordagem individual ou social é profundamente intimista, dramática ou irónica, ao mesmo tempo que a própria evolução do filme nos coloca como espectadores do percurso pessoal de um conjunto de intervenientes.

O tempo que nos cabe viver é substancialmente diferente. A mobilidade social, a facilidade das comunicações, as novas tecnologias e a democratização da escolaridade, por exemplo, diferenciam profundamente a época abordada no filme e os dias que, velozmente, nos escorregam entre os dedos.

No entanto, há aspectos da condição humana que persistem: a procura da felicidade pessoal e da realização profissional permanecem como elementos centrais da vida de cada um de nós.

Acontece, que, por vezes, o caminho é demasiado escarpado e estreito para subir tão difícil montanha!


alfa

terça-feira, junho 09, 2009

O cante alentejano

É difícil imaginar no Alentejo o entardecer bucólico com sinos a badalar ave-marias. No Alentejo o som dos bronzes quase só anuncia funerais. A terra é tão áspera que se não comove com o pôr do Sol. Pelo contrário: geme então, lambendo as feridas rasgadas por um sol de dentes afiados. É quando despega então um cantar magoado, como se temesse haver nada para lá da noite que chega.

É um cantar a dar conta do homem e do seu mundo. Um mundo vacilante e frágil, entre o desejo de ficar e a vontade de partir. Como o Alentejo: preso à raiz e forçado a voar, se quiser sobreviver.

O Alentejo canta em coro, como sempre o terá feito. Mas o grupo coral não é voz de uma solidão colectiva: é a adição de solidões individuais.

Nem o próprio cantar é uniforme. Tem altos e baixos. As vozes não soam todas ao mesmo tempo. Há um ponto, um alto, um baixo. Sons que se destacam no entoar da moda, que é a soma da letra com a musicalidade das vozes.

A moda evolui, como tudo. A moda nasceu dos despiques da taberna, em redor do copo de vinho, nos ranchos da ceifa e da monda. Nasceu ao anoitecer no regresso dos ceifeiros a casa. Rompeu com os primeiros raios do astro, a surpreender os ranchos vergados sobre o trigo quando o trabalho se fazia "de sol a sol".

O cante retrata a solidão e a tristeza. O amor e o trabalho. A alegria. O sol e a terra. O suor. Canta o trigo e as cegonhas. A emigração e a barragem de Alqueva. Canta a morte e a vida. Angústias e sonhos. Canta o homem perdido em inalcançáveis longitudes. É terno e quente. Ingénuo e grave. Sóbrio e triste. Solene como uma catedral. E, como ela, eleva-se da terra, atingindo alturas tais que se mistura com o lamento dos descampados, não se sabendo já se são criaturas ou os próprios plainos que assim gemem.

Vem com a lua e com ela atravessa os ares. Temeroso, talvez, de o sol não voltar a nascer.
Pedro Ferro, Descubra Portugal

segunda-feira, junho 08, 2009

UTOPIA TRIUNFA EM MARINALEDA

Uma casa nova individual, de 90 m2 e com 100 m2 de pátio, que num bairro operário de Madrid custaria pelo menos 400.000 euros, com uma hipoteca mensal de uns 2.000 durante 30 anos, e um sonho ao alcance de qualquer habitante de Marinaleda, por um preço simbólico de 15 euros por mês! "É a utopia feita realidade!", lança Sanchez Gordillo, que desde 1979 cumula na pequena povoação andaluza as funções de professor e de presidente da Câmara. "Segundo a Constituição, todo cidadão tem direito a uma casa digna. E é isso que fazemos aqui. Com apenas 2.600 habitantes, Marinaleda vive do trabalho do campo, todos cobramos o mesmo salário de 45 euros diários, mas desde 1981 já construímos 350 casas subvencionadas, iguais a esta onde vivo, e temos outras 120 em construção ou previstas até 2010". Homem de luta e de ideias revolucionárias, Gordillo recorre por vezes à "greve da fome" para obrigar a Junta (governo andaluz) a financiar o desenvolvimento de Marinaleda e não esconde o segredo da sua "poção mágica". "Património do povo, a terra não se compra nem se vende!", diz ele. A Câmara tem assim uns 400.000 m2 de solo urbanizado à disposição da população, à qual também oferece gratuitamente os serviços do arquitecto municipal, o que representa 60% do custo da obra, enquanto a Junta financia os materiais (uns 30.000 euros por casa). Tratando-se de um modelo de "autoconstrução", os futuros proprietários devem trabalhar na obra, ou contratar os especialistas necessários, pagando-lhes 45 euros diários. "Com esta fórmula, cada família só pagara uma letra de 15 euros por mês, mas durante 80, 90 ou 100 anos, para obter o titulo de propriedade", explica Gordillo, que se declara ao Expresso "nacionalista, de esquerda, anti-capitalista, ecologista, pacifista e mais utópico do que nunca".


in
jornal expresso, 8 de março 2008

Esta semana tive acesso à história deste oásis Socialista no meio da Península Ibérica, através da revista Visão. Aconselho a sua leitura e a visita ao site de marinaleda.


Oração Dominical

Diego Riviera, La Noche de Los Pobres


Capital, Pai nosso, que estais na terra, Deus Todo-Poderoso, que mudais o curso dos rios e ergueis montanhas, que reparais os continentes e unis as nações; criador das mercadorias e fonte de vida, que governais os reis e os servos, os patrões e os assalariados, que o vosso reino se estabeleça em toda a Terra.

Dai-nos muitos compradores para as nossas mercadorias, sejam elas más ou boas.

Dai-nos trabalhadores miseráveis que aceitem sem revolta todos os trabalhos e se contentem com o mais vil dos salários.

Dai-nos todos que acreditem nas nossas promessas.

Fazei com que os nossos devedores paguem integralmente as suas dívidas e que os bancos descontem as nossas letras.

Fazei com que a prisão de Mazas (2) nunca se abra para nós e afastai para longe a falência.

Concedei-nos rendimentos perpétuos. Amém.

Paul Lafargue, A Religião do Capital, jornal Le Socialiste, 1886

2) O banqueiro Mirés, símbolo da especulação do Segundo Império, foi aí encarcerado em 1861. Viria a ser destruída em 1898.



domingo, junho 07, 2009

Política vs Personalidade

A política é uma forma de mudarmos o mundo, porém, ela também nos muda. Passamos a olhar para as pessoas de maneira diferente. A política revela-nos o melhor e o pior das pessoas. Começamos a perceber que algumas pessoas têm duas caras, que se relacionam apenas com base em interesses próprios. A política não é, nem devia ser uma batalha mas a verdade é que não há quem perceba que se pode ter opiniões contrárias e apesar disso manter relações de amizade. A política, independentemente da nossa vontade modela-nos a personalidade. Fica-se mais apreensivo nas relações sociais que estabelecemos, passa-se a duvidar muito mais das pessoas. Leva-se mais tempo a abrir às pessoas e muitas vezes fazem-se análises de personalidade das pessoas que nos rodeiam. Estar na política que é feita hoje em dia não é fácil, é preciso ter estrutura psíquica e estrutura familiar para aguentar alguns momentos em que o pior da política emerge. Essa estrutura consegue-se com uma grande capacidade de abstracção de que não se é capaz de imediato. Não é fácil estar na política, porque a forma de a fazer afasta os bons políticos, mas há que ser persistente. Há 12 anos que estou na política, se já me fartei em algum momento!? Já, já me fartei. Se já pensei em deixar a política!? Já, já pensei. Não porque não tenha estrutura, mas por outro tipo de razões. Nunca o fiz, não sei se o farei. Até acho que é impossível sair da política.
Há que conseguir essa estrutura, aumentado a capacidade de abstracção em relação à política suja do boato e do diz que disse.... Sair da política por estas razões é perder para quem a faz.

sábado, junho 06, 2009

Vota CDU!


sexta-feira, junho 05, 2009

Quem mais trabalhou no Parlamento Europeu!?

Basta entrar neste site (...) e logo surge Ilda Figueiredo à frente da classificação dos 26 deputados portugueses. Em segundo lugar vem Paulo Casaca, do PS, e logo a seguir Pedro Guerreiro, o segundo deputado do PCP que assumiu funções em Janeiro de 2005, ou seja seis meses depois do início do mandato.O site parlorama.eu definiu três tipos de avaliação: uma nota de assiduidade, que revela a presença nas sessões plenárias; outra, de actividade, que resulta de uma mediana de vários indicadores, designadamente número de relatórios, pareceres, questões escritas, orais, propostas de resolução, declarações escritas e intervenções; e por fim uma nota geral determinada pelo cálculo da actividade (coeficiente 2) e a assiduidade (coeficiente 1).Ambos os deputados do PCP obtiveram a nota máxima geral (cinco estrelas), a qual foi merecida apenas por cinco deputados portugueses.Na avaliação por actividade, Ilda Figueiredo volta a ser a melhor deputada à frente de Ana Gomes (PS) e Paulo Casaca (PS), surgindo em quarto lugar Pedro Guerreiro.Por último, no critério da assiduidade, Ilda Figueiredo que esteve em 279 sessões plenárias é classificada em 9.º lugar e Pedro Guerreiro em 11.º lugar, com 253 presenças registadas para um máximo de 298.

O capital cultural do Homem e a nossa Casa Comum

O capital cultural do Homem constitui um património colectivo, resultante de um processo dinâmico de desenvolvimento em determinado(s) tempo(s) e lugar(es). Este capital cultural acrescenta-se através da interiorização, da aprendizagem, da criatividade individual e colectiva e pelo intercâmbio das ideias e das técnicas.

Numa época caracterizada, simultaneamente, por diferentes ritmos de desenvolvimento económico e tecnológico e pela mundialização da informação, a substituição de um comportamento autista e isolacionista por uma atitude universalista determinada pela mediação e pela partilha, favorece a interacção e a inserção dos vários grupos socioculturais no macrocosmos, na aldeia global, na casa comum, produto milenar da aventura humana.

As continuidades políticas ou culturais, sociais ou económicas, não se medem já em períodos de séculos, mas em decénios ou anos. Muitas referências perdem relevância intergeracional.

Assim, é essencial neste tempo caracterizado pela mobilidade alargada de pessoas, mercadorias, capitais e ideias, pela mundialização dos interesses e das trocas e pela efectiva influência mútua e interdependência mundial, reflectir sobre a produção cultural do homem, todo um processo milenar de ruptura e de progresso, de conflito e de intercâmbio, de permanência e de transformação, afinal a herança e o testemunho de todos os homens e civilizações.

alfa

quinta-feira, junho 04, 2009

Millet


Jean-François Millet (1814-1875) As Respigadeiras, 1857, Óleo sobre tela, Paris, Museu d'Orsay

doação sob reserva de Madameme Pommery, 1890



Com Jean-François Millet, os camponeses fazem a sua entrada na pintura naturalista francesa do século XIX, já não como evocadores de um mundo de simplicidade e de inocência, mas como homens autênticos, com a sua energia física e a sua força social.

A dura vida dos camponeses do século XIX constituem o campo de investigação do objecto artístico em Jean-François Millet.

Nesta obra, as mulheres encarnam a miséria do proletariado rural. Estas mulheres são autorizadas a passar rapidamente, antes do pôr-do-sol, pelos campos ceifados para recolher algumas espigas abandonadas.

A pintura representa três respigadeiras em primeiro plano, dolorosamente curvadas e de olhar fixo no solo. Combina a três fases do repetitivo e esgotante movimento que impõe esta tarefa: agachar-se, recolher e levantar-se.

A luz rasante do sol poente marca os volumes do primeiro plano e dá às respigadeiras formas esculturais. Sobressai a vivacidade das suas mãos, nucas, ombros e costas, avivando a cor das suas roupas.

Depois, lentamente, Millet vai esbatendo a distância, produzindo uma atmosfera dourada e poeirenta, intensificando a impressão bucólica do fundo do quadro.

A personagem a cavalo, colocado à direita da composição é seguramente o capataz, encarregado de vigiar os trabalhos da herdade, fazendo com que as respigadeiras cumpram as regras ligadas à sua actividade. Também está presente a diferenciação social, recordando a existência distante dos grandes proprietários.

Através de processos plásticos simples e sóbrios, Millet outorga a estas camponesas, sem dúvida pobres, porém não menos dignas, um valor emblemático, depurado de qualquer miserabilismo.

quarta-feira, junho 03, 2009

Rita Carmo

Koop em Lisboa 2006





Rita Carmo (n.1970, Leiria) é licenciada em Design de Comunicação pela ESBAL. Fotógrafa residente do jornal Blitz desde 1992. Tem fotografias editadas no Expresso, Visão, Ler, DIF…; Melody Maker, Daily Mail (Reino Unido), Rockin’On e Snoozer Mag (Japão), Bizz (Brasil). Em 1995 forma a dupla Espanta Espíritos com António Afonso. Em 1999, é um dos 5 fotógrafos presentes na Fotobiografia dos 20 anos dos Xutos & Pontapés. Em 2003 é autora dos retratos dos 15 Criadores de Moda no livro “15 Histórias de Hábitos” de Cristina L. Duarte (Ed.Quimera e ainda edita pela Assírio & Alvim o álbum fotográfico “altas-luzes”, onde reúne cerca de 200 imagens que retratam momentos únicos da história das actuações ao vivo em Portugal e de sessões fotográficas com artistas. Desta edição resultou uma exposição que já esteve patente em Lisboa, Porto, Gaia, Leiria, Bragança, Fundão, Aveiro, Évora, Moita, Azambuja, Santarém, Palmela, Castelo Branco, Coimbra, Cáceres, Tomar e Espinho. Em Junho de 2005, a convite da Alcatel Portugal e da Numero, expõe no 4ºFestival Portugais no Fnac Forum Les Halles em Paris. Em 2008, no âmbito do Congresso Feminista 2008, expõe na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.



Para aceder a algumas imagens do seu trabalho basta clicar aqui, neste seu blogue encontrará a indicação de outros blogues da artista, de produções suas ao vivo. É só disfrutar...

terça-feira, junho 02, 2009

PCP no Parlamento Europeu...



Para saber mais clicar no gráfico acima

Histórias marginais


Quando a aldeia de Baleizão foi electrificada, as mulheres opuseram-se: os fios estavam tão altos que não davam para estender a roupa.




Histórias como esta há muitas por todo o Alentejo. Marginais à História, elas retratam identidades locais. Pode perceber-se que Messejana (Aljustrel) possa ter sido praia, lá na distância temporal de uma obscura idade geológica. Mas que a cada momento o façam lembrar aos naturais da terra, é graça que já enjoa às próprias pedras.




Sempre que Messejana vem à baila lá está a gracinha da praia. Assunto tabu na vila. Os naturais arrepelam os cabelos sempre que Ihes falam da praia.




A praia de Messejana é matriz para outras histórias do género. Assim, quando a Câmara de Aljustrel ali resolveu construir um depósito de água logo alguém anónimo sugeriu que se tratava de um farol. E junto ao cruzeiro em pedra à entrada da vila dizem ter naufragado Vasco da Gama, numa das suas viagens marítimas à Índia. Mais: em Messejana o marisco é apascentado como os rebanhos de ovelhas e vai-se à pesca usando um fardo de palha como isco.




Piadas a que Messejana não acha graça nenhuma. A maior parte delas é produzida pelos vizinhos de Aljustrel, inchados talvez por Messejana ter mais pergaminhos históricos para apresentar do que a povoação mineira.




Os de Santa Vitória têm fama de “engenheiros”. A aristocracia local, para mostrar obra e engrandecer a terra, exigiu um dia da Câmara ou do Governo – as versões mudam – a construção de uma ponte. Santa Vitória precisava de uma ponte – obra que se visse e não envergonhasse ninguém. “Homem para que querem vocês uma ponte se não têm rio?”, exclamaram espantados os homens da Câmara, ou do Governo. Resposta da rapaziada de Santa Vitória: “Façam lá a ponte que do rio tratamos nós”. Ficaram os “engenheiros”.




Aos de Vila de Frades chamam os da Vidigueira "farrapeiros". Quer dizer: vestidos de farrapos miseráveis, pelintras. É a dor de cotovelo que os faz falar: Vila de Frades foi sede de concelho antes da Vidigueira saber que nome tinha. Os de Vila de Frades devolvem-lhes os mimos chamando aos da Vidigueira "larga o osso". É que, em tempos, a Vidigueira se recusou a entregar a uma comissão vinda de Lisboa, as ossadas atribuídas a Vasco da Gama, que foi conde da vila e repousava no velho Convento do Carmo. O "larga o osso" ficou desde aí como um estigma, de que a Vidigueira nada gosta.







Pedro Ferro, jornal Público, 30 de Outubro de 1992

segunda-feira, junho 01, 2009

Há decisões sensíveis!

O caso Alexandra é um daqueles casos judiciais de difícil explicação do seu resultado. É difícil de compreender como é que é possível dois resultados tão díspares, como são os acórdãos de primeira e segunda instância. Não nos é possível julgar, apenas baseando-nos nas imagens emitidas pela televisão russa, porque correctivos toda a gente dá aos seus filhos. Choca-me mais o facto de ver uma criança ser retirada abruptamente de um meio social que sempre conheceu, para ficar num outro que nunca conheceu e que lhe é muito estranho. Falo não só da envolvência familiar, mas também da sociedade onde irá viver. Dirão que isso é uma coisa normal até porque acontece o mesmo com os filhos de emigrantes. É verdade, mas os filhos dos emigrantes têm normalmente uma família com a qual se identificam e onde vão buscar refúgio para encararem a nova realidade, coisa que esta miúda não parece ter. A opinião pública, na sua maioria, estará contra a decisão dos Juízes, porém, a opinião pública não tem os factos para decidir e por isso mesmo eu não vou comentar a decisão. Que ela me parece estranha, isso parece, até porque há uma contraditória anterior. Resta à Justiça explicar as suas decisões ao Povo não vá perder ainda mais a confiança deste.

A actualidade da Paul Lafargue mais de cem anos depois!...

“O Eleito do Capital: O capitalista é a lei. Os legisladores redigem os códigos segundo as suas conveniências e os filósofos ajustam a moral aos seus costumes. Todas as acções que pratica são justas e boas. Todo o acto que lesa os seus interesses é um crime e será punido.”

Paul Lafargue, A Religião do Capital, jornal Le Socialiste, em 27 de Fevereiro de 1886

Diego Rivera, A vendedora de flores