Aqui posto de comando do Movimento das Palavras Armadas.

terça-feira, junho 02, 2009

Histórias marginais


Quando a aldeia de Baleizão foi electrificada, as mulheres opuseram-se: os fios estavam tão altos que não davam para estender a roupa.




Histórias como esta há muitas por todo o Alentejo. Marginais à História, elas retratam identidades locais. Pode perceber-se que Messejana (Aljustrel) possa ter sido praia, lá na distância temporal de uma obscura idade geológica. Mas que a cada momento o façam lembrar aos naturais da terra, é graça que já enjoa às próprias pedras.




Sempre que Messejana vem à baila lá está a gracinha da praia. Assunto tabu na vila. Os naturais arrepelam os cabelos sempre que Ihes falam da praia.




A praia de Messejana é matriz para outras histórias do género. Assim, quando a Câmara de Aljustrel ali resolveu construir um depósito de água logo alguém anónimo sugeriu que se tratava de um farol. E junto ao cruzeiro em pedra à entrada da vila dizem ter naufragado Vasco da Gama, numa das suas viagens marítimas à Índia. Mais: em Messejana o marisco é apascentado como os rebanhos de ovelhas e vai-se à pesca usando um fardo de palha como isco.




Piadas a que Messejana não acha graça nenhuma. A maior parte delas é produzida pelos vizinhos de Aljustrel, inchados talvez por Messejana ter mais pergaminhos históricos para apresentar do que a povoação mineira.




Os de Santa Vitória têm fama de “engenheiros”. A aristocracia local, para mostrar obra e engrandecer a terra, exigiu um dia da Câmara ou do Governo – as versões mudam – a construção de uma ponte. Santa Vitória precisava de uma ponte – obra que se visse e não envergonhasse ninguém. “Homem para que querem vocês uma ponte se não têm rio?”, exclamaram espantados os homens da Câmara, ou do Governo. Resposta da rapaziada de Santa Vitória: “Façam lá a ponte que do rio tratamos nós”. Ficaram os “engenheiros”.




Aos de Vila de Frades chamam os da Vidigueira "farrapeiros". Quer dizer: vestidos de farrapos miseráveis, pelintras. É a dor de cotovelo que os faz falar: Vila de Frades foi sede de concelho antes da Vidigueira saber que nome tinha. Os de Vila de Frades devolvem-lhes os mimos chamando aos da Vidigueira "larga o osso". É que, em tempos, a Vidigueira se recusou a entregar a uma comissão vinda de Lisboa, as ossadas atribuídas a Vasco da Gama, que foi conde da vila e repousava no velho Convento do Carmo. O "larga o osso" ficou desde aí como um estigma, de que a Vidigueira nada gosta.







Pedro Ferro, jornal Público, 30 de Outubro de 1992

Sem comentários: