Aqui posto de comando do Movimento das Palavras Armadas.

terça-feira, maio 26, 2009

Cal, solidão e orgulho

O sol incendeia a cal e esmaga-se na nudez alva das paredes. As casas estão assolapadas contra o solo. Recolhidas umas às outras como rebanho pela frega da calma. Tudo no Alentejo é horizontal: a terra, o montado de sobro e azinho, as searas, os montes, as aldeias, as vilas. Tudo. Só os homens são verticais, como as faias e os eucaliptos. Solitariamente altivos e graves. De uma gravidade olímpica.
Verticais e inteiros no modo de tratar o sol por tu. De lidar com ele como quem lida com a mulher e os filhos. O alentejano acende cigarros nos dedos do sol. O mesmo sol que para lá da penumbra de um postigo se passeia no largo da vila, tão livre, tão livre, como só um rei sem trono pode ser.
Rei sem trono é o alentejano. Tal qual o sol: a pagar em solidão o que em altivez lhe sobra.
Cada alentejano tem um eremita dentro de si. É uma natureza fechada. Orgulhosa. O silêncio esmaga gritos dentro do peito escancarados. Um ser sóbrio, altivo e solitário carregando aos ombros toda a tragédia que o mundo pode ter. É assim o fruto humano desta "charneca rude" que Florbela cantou. Dono de si próprio.
Alentejano: expressão concentrada de todas as matrizes que a solidão pode ter. Toda ela, toda a solidão do mundo, inteirinha no coração de um homem só, riscando nos descampados veredas que nenhum deus guiou. “Olhai o vagabundo que nada tem e leva o sol na algibeira!”, escreveu Manuel da Fonseca.




Pedro Ferro, Descubra Portugal.




foto alfa, “A caminho de Vila Alva…”

1 comentário:

alice disse...

Este belíssimo texto de Pedro Ferro transmuta-se em pintura imagética e psicológica da paisagem e do homem aletejano.